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Bento XVI e a comunicação

Bento XVI sempre foi consciente de que a comunicação digital redefine os espaços sociais de interação e relação, transcende a dimensão da presença física para enfatizar a dimensão relacional.
Papa Bento XVI publica seu primeiro tweet, em 12 de dezembro de 2012 (Créditos: Vatican News)

Há exatos 10 anos, em dezembro de 2012, o Papa Bento XVI inaugurava a primeira conta do sumo pontífice no Twitter, enviando através daquela potente plataforma as primeiras “bênçãos digitais” via @Pontifex. Neste sábado, 31 de dezembro de 2022, o Vaticano confirmou a morte do Papa emérito, aos 95 anos. Como legado de seu papado, vale a pena recordar esta e outras importantes mensagens de Bento XVI no âmbito da comunicação.

Todos recordamos como o seu antecessor, São João Paulo II, era um entusiasta da comunicação, enfatizando o tema em diversas mensagens e documentos. Refletindo sobre o impacto da internet sobre a fé e a evangelização, dizia que a Igreja vê a comunicação como o grande areópago dos tempos modernos, que exige mudança de mentalidade e renovação pastoral. Bento XVI seguiu os passos do seu predecessor nesse campo. Sua primeira mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais teve como tema “A mídia: rede de comunicação, comunhão e cooperação” (2006). No ano seguinte o foco foi o desafio para a educação das crianças e logo depois o desafio de partilhar a verdade no mundo da comunicação, antecipando assim o tema da sua encíclica Caritas in veritate, publicada em 2009.

Em sintonia com o Ano Sacerdotal e com a urgente necessidade de formar os presbíteros para o ambiente da comunicação, a mensagem de 2010 foi “O sacerdote e a pastoral no mundo digital: os novos meios a serviço da Palavra”. No ano 2009 o tema de sua mensagem tinha sido “Novas tecnologias, novas relações. Promover uma cultura de respeito, de diálogo, de amizade.” Naquela ocasião, o papa emérito enfatizou o potencial das novas tecnologias para promover as relações, bem como a fé e a vida cristã. Dirigiu-se especialmente aos jovens, chamados por ele de “geração digital”, pois eles “se deram conta do enorme potencial que têm a nova mídia para favorecer a ligação, a comunicação e a compreensão entre indivíduos e comunidade, e usam-nos para se comunicar com seus amigos, encontrar novos, criar comunidades e redes, procurar informações e notícias, partilhar as próprias ideias e opiniões”.

Bento XVI sempre foi consciente de que a comunicação digital redefine os espaços sociais de interação e relação, transcende a dimensão da presença física para enfatizar a dimensão relacional. Ao abraçar a cultura digital, a Igreja não está renunciando aos seus valores básicos. Pelo contrário, tem a possibilidade de apresentá-los a uma nova cultura, a um novo ambiente, realizando assim sua missão de evangelizar. Exatamente por isso o papa-emérito sempre insistiu que devemos apresentar uma ética evangélica à cultura digital. Certa vez afirmou que “o homem ‘digital’, como o das cavernas, procura na experiência religiosa o caminho para superar sua finitude e para assegurar sua precária aventura terrena” (13 de maio de 2011). Bento XVI quis mostrar que, ao mesmo tempo que são manifestos muitos indícios do secularismo, com Deus tornando-se uma realidade sobre a qual se permanece indiferente, surgem muitos sinais que indicam o despertar do sentido religioso na cultura e na geração digitais. Por mais que o ser humano busque sentido na sua autossuficiência, acaba por fazer a experiência de “insuficiência”, de finitude, de não se bastar a si mesmo. “Essa redescoberta se traduz na exigência da espiritualidade, superando uma visão puramente horizontal e material da vida humana, depois de no século XX as duas trágicas guerras mundiais terem colocado em causa a convicção de que o progresso poderia ser obtido pela razão autônoma e por uma existência sem Deus”, conclui o discurso.

Outro tema abordado por Bento XVI foi o testemunho do Evangelho no mundo digital, que deve conduzir ao encontro. Na mensagem para o Dia das comunicações de 2013, aprofundou o tema das “Redes sociais como portais de verdade e de fé”, como novos espaços de evangelização. Naquela ocasião, ficou muito clara a necessidade do testemunho cristão no ambiente digital. Após reconhecer que “as redes sociais digitais estão contribuindo para o aparecimento de uma nova ágora, uma praça pública e aberta onde as pessoas partilham ideias, informações, opiniões e podem ainda ganhar vida novas relações e formas de comunidade”, Bento XVI afirmou que “a autenticidade dos fiéis, nas redes sociais, é posta em evidência pela partilha da fonte profunda da sua esperança e da sua alegria: a fé em Deus, rico de misericórdia e amor, revelado em Jesus Cristo. Tal partilha consiste não apenas na expressão de fé explícita, mas também no testemunho”.

Em 2011, já havia enfatizado a necessidade de se promover a verdade, através do anúncio e da autenticidade nas redes sociais. Convidava o cristão a dar testemunho da fé no mundo virtual do mesmo modo que deve testemunhar em qualquer outra dimensão da sua vida: familiar, social, profissional, acadêmica, paroquial. Assumindo a ideia de que comunicar na rede é partilhar, Bento XVI exortou os cristãos a manifestarem sua integralidade na rede, e não partes, fragmentos, que conduziria à construção de uma autoimagem narcisista e a esquizofrênica. O digital deve auxiliar na concretização da missão cristã, que é ir ao encontro do outro, do próximo, testemunhando o Evangelho com sinceridade e compromisso. Com as potencialidades que a rede proporciona, o cristão não pode ficar indiferente, ou usar a tecnologia como qualquer outra pessoa. Tem de dar testemunho. Tem de usá-la responsável e criticamente, manifestando aí também sua ética, suas opções de vida, seus valores, suas convicções. Bento XVI afirmou que a pessoa não pode agir online de maneira diferente da que age offline, antecipando o conceito onlife cunhado pelo filósofo Luciano Floridi em 2013. O cristão é sempre o mesmo, há uma só identidade, onde quer que esteja, e deve testemunhar a sua fé e ter conduta evangélica seja onde for. É sempre o mesmo sujeito que age, e por isso não pode abandonar suas convicções ou criar uma nova identidade, mesmo que assumindo diferentes papéis ou em diferentes ambientes reais/virtuais.

Enfatizando a necessidade de comunicar com ética e dando testemunho da fé, ao falar sobre a evangelização nas redes sociais Bento XVI afirmou que “as redes sociais, para além de instrumento de evangelização, podem ser um fator de desenvolvimento humano. (…) O desafio que as redes sociais têm de enfrentar é o de serem verdadeiramente abrangentes: então beneficiarão da plena participação dos fiéis que desejam partilhar a Mensagem de Jesus e os valores da dignidade humana que a sua doutrina promove” (Mensagem para o Dia das comunicações, 2013). Até mesmo na sua encíclica social Caritas in veritate, Bento XVI tocou nesse ponto, recordando que é necessária “uma atenta reflexão sobre a sua influência [a das novas mídias] principalmente na dimensão ético-cultural da globalização e do desenvolvimento solidário dos povos” (n. 73). E acrescentou: “podem constituir uma válida ajuda para fazer crescer a comunhão da família humana e o éthos das sociedades, quando se tornam instrumentos de promoção da participação universal na busca comum daquilo que é justo” (Caritas in veritate n. 108).

No Império Romano, o fórum (termo usado algumas vezes por João Paulo II) era o espaço público onde se concretizava a vida política e comercial, onde se faziam os ritos religiosos e se desenvolvia boa parte da vida social, onde todos os cidadãos podiam se exprimir livremente. O fórum romano tem na ágora seu equivalente no mundo grego. Esse termo foi utilizado pelo Papa Bento XVI em sua última mensagem para o Dia mundial das Comunicações (2013). Uma mudança sutil, mas muito significativa, pois introduziu a nível teórico o que o Papa Francisco tem procurado realizar concretamente no âmbito da comunicação. No meu livro Comunicar o evangelho: Panorama histórico do magistério da Igreja sobre a comunicação (Paulus, 2021) tento explicar mais detalhadamente este percurso, confira.

Hoje o ambiente digital não é mais um espaço elitista como era o areópago, onde se encontravam políticos e filósofos, mas se tornou a “praça pública”, a nova ágora, um espaço muito mais democrático e horizontal. Lugar que favorece o encontro, as relações, a troca de conhecimentos, a partilha de experiências e culturas. Após a popularização da internet e sobretudo com o surgimento das redes sociais, o ambiente digital deixou de ser um local de “privilegiados”, da elite, e se tornou a nova ágora, o coração pulsante da nossa sociedade, lugar privilegiado de encontro e de partilha, inclusive da fé. Bento XVI nos ajudou a habitar este espaço cristãmente, convidando-nos sempre a inculturar e testemunhar o Evangelho nesse ambiente.