Marcus Tullius[1]
Você pode começar esta leitura pensando que o uso de duas palavras repetidas no título foi distração. Mas não foi. Elas são uma inspiração. Convido você a voltar ao título e ler novamente. A primeira é utilizada como uma interjeição, expressão de cautela, é uma chamada de atenção; a segunda nos remete ao substantivo que indica responsabilidade, preocupação, zelo. A primeira é a forma como realmente nós lidamos com o trânsito, um estado de tensão e alerta permanente. A segunda é como nós deveríamos olhar o trânsito, a partir de uma ética do cuidado. É um movimento gradativo de migrar do cuidado ofensivo para o defensivo.
A educação no trânsito não é necessária apenas para quem dirige, mas a todos que saem às ruas diariamente. Já parou para pensar quanto tempo do dia você gasta se deslocando para o trabalho, para o lazer, para visitar um amigo, ou fazer quaisquer outras atividades? Principalmente nas grandes cidades, a população perde uma parcela considerável do seu tempo indo de um lugar a outro. Por isso, a educação no trânsito é algo para todos. Ademais, ela é reflexo da nossa educação interior, da disposição que temos para viver bem em sociedade e para assimilá-la como princípio da boa convivência.
Na contramão da intolerância e da impaciência
As brigas no trânsito e os acidentes, geralmente, começam por motivos banais. Por vezes chegam ao extremo, levando à morte. As pessoas estão com os nervos à flor da pele e irritam-se com muita facilidade. A ultrapassagem malfeita e não sinalizada, o barulho da buzina ou a má conservação das vias. Talvez nem seja algo vivido no trânsito, mas o estresse de uma rotina pesada, um conflito familiar, um desgosto, dentre tantos outros que poderíamos enumerar. E ainda a direção distraída de muitos motoristas. O estopim da intolerância e da impaciência das pessoas é cada vez mais curto e são evidenciados no convívio, especialmente nos cenários urbanos. Não aceitamos que o outro erre. Estamos diante de um quadro complexo e que nem sempre pode ser diagnosticado por um único fator.
Na contramão do apresentado, o respeito trafega na velocidade permitida, sempre vigilante e com as devidas condições de segurança. No banco do carona vem a empatia, promovendo a habilidade de se colocar no lugar do outro. Não se trata apenas de fazer para os outros aquilo que gostaria que lhe fizessem, mas a responsabilidade de pesar os seus atos e se ver como parte de uma grande realidade. Habitamos a mesma casa comum.
Que tal trocar os xingamentos que permeiam a vida no trânsito pela atenção e pela tranquilidade? Substituir a tolerância zero pela tolerância cem, andar de mãos dadas com a prudência. Passe a praticar as palavras: perdão, paciência, gentileza, paz.
Nas estradas com o samaritano
Se visitarmos as páginas da Sagrada Escritura, encontraremos na parábola do Bom Samaritano uma inspiração muito oportuna sobre o cuidado e para a vida no trânsito. Em Lucas 10,25-37, Jesus conta sobre um homem machucado pelo caminho que é ignorado pelo sacerdote e pelo levita, mas que é notado e cuidado pelo samaritano. Poderia ser, inclusive, alguém vítima de um acidente de trânsito. Se você estivesse diante dessa situação, agiria como o sacerdote, como o levita ou como o samaritano? É preciso entender quem é o próximo mais próximo e que ele deve ser cuidado.
João Batista Libanio, na obra póstuma A ética do cotidiano[2], afirma que o cuidado precisa ser visto como algo absoluto e universal. “Universal no sentido de que não se restringe a um tempo e lugar. […] Absoluto significa que não pode ser outra maneira. Torna-se impensável a vida humana sem cuidado.” (LIBÂNIO, 2015, p. 105) Diante de uma sociedade que promove indivíduos cada vez mais ensimesmados, para a educação no trânsito – e para tantas dimensões da nossa vida – a ética do cuidado parece-nos uma resposta necessária e um caminho para a humanização. É preciso entender que somos responsáveis uns pelos outros.
Decálogo do motorista: formas de ser cristão no trânsito
Não se é cristão apenas dentro da igreja. Ao contrário, é nos outros ambientes que colocamos em prática aquilo que se aprende por meio da escuta atenta à Palavra de Deus. Portanto, para ser cristão no trânsito, pratique o decálogo do motorista, proposto pelo Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, em 2007[3].
- Não matarás.
- A estrada será para ti instrumento de comunhão no meio das pessoas e não de dano mortal.
- Cortesia, retidão e prudência ajudar-te-ão a superar os imprevistos.
- Serás caritativo e ajudarás o próximo na necessidade, especialmente se for vítima de um acidente.
- O automóvel não será para ti expressão de poder, de domínio e ocasião de pecado.
- Convencerás com caridade os jovens, e não só, a não se porem ao volante quando não estiverem em condição de o fazer.
- Apoiarás as famílias das vítimas de acidentes.
- Farás com que a vítima e o automobilista agressor se encontrem num momento oportuno, a fim de que possam viver a experiência libertadora do perdão.
- Na estrada, tutelarás a parte mais frágil.
- Sentir-te-ás responsável pelos outros.
[1] Licenciado em Filosofia, bacharel em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda, pós-graduando em Influência Digital: Conteúdo e Estratégia. Coordenador geral da Pascom Brasil e membro do Grupo de Reflexão em Comunicação da CNBB. É autor do livro Esperançar: a missão do agente da Pastoral da Comunicação, da Editora Paulus.
[2] LIBANIO, João Batista. A ética do cotidiano: obra póstuma do teólogo João Batista Libanio. São Paulo: Paulinas, 2015.
[3] Parte das Orientações para a Pastoral da Estrada-Rua, disponível em https://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/migrants/pom2007_104-suppl/rc_pc_migrants_pom104-suppl_orientamenti-po.html