
Não basta ter uma visão crítica sobre os meios de comunicação comerciais, que defendem os interesses da elite e enxergam a notícia como mercadoria. É preciso produzir um outro tipo de mídia, que ouça a voz das populações marginalizadas e que busque o bem comum.
Esse foi um dos pontos centrais do curso de “Comunicação Popular/Alternativa e Igreja em Saída”, que ocorreu no sábado (9) e domingo (10) em Porto Alegre do Norte (MT), prelazia de São Félix do Araguaia. A atividade foi realizada pela equipe de comunicação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)/Regional Oeste 2, formada pelos jornalistas Gibran Luis Lachowski e Ana Paula Carnahiba.
O encontro ocorreu no Centro de Formação Padre Josimo e reuniu 23 pessoas, entre lideranças de CEBs, pastorais da Criança, Juventude e Liturgia, indígenas Kanela do Araguaia, agentes de pastoral da prelazia e integrantes do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).

O curso apresentou os projetos de sociedade defendidos pelas mídias hegemônica (comercial) e contra-hegemônica (alternativa/popular). Mostrou os prejuízos causados pela concentração de poder nas mãos de poucos grupos (oligopólio) e a importância de democratizar a comunicação.
Trouxe alguns textos do papa Francisco, a exemplo de sua mensagem referente ao Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2018, que tratou das “fake news” (notícias falsas). E houve espaço para uma oficina de produção de conteúdo para mídias digitais e impressos com base em temas presentes na realidade da região do Araguaia.
Utilidade
“Esse curso nos deu várias ideias sobre como iniciar nosso canal no Youtube e ocupar espaço em rádio comunitária da região”, disse Renato Fernandes da Silva, 21 anos, que atua na Pastoral da Juventude em Porto Alegre do Norte. “Já podemos fazer uma cobertura de mídia do Retiro de Pentecostes, que vai ser em maio”, comentou.
Já Alliny de Oliveira, de 31 anos, destacou a importância de criar um outro jeito de formar a opinião da sociedade. Ela mora em Serra Nova Dourada, e junto ao marido e aos cinco filhos participa da comunidade Nossa Senhora de Guadalupe. “A mentalidade de dominação existe desde os tempos de Caim e Abel. As notícias falsas iludem os leitores e podem até matar pessoas. A paz é a verdadeira notícia, a boa nova”, ressaltou.

Esse projeto de paz se contrapõe aos dados de uma pesquisa recente feita pelas ongs Intervozes e Repórteres Sem Fronteiras, que apontou que cinco grupos de comunicação controlam no Brasil mais da metade dos 50 veículos de mídia de maior audiência. São eles Globo, Bandeirantes, Record, RBS e Folha de São Paulo.
Em contrapartida, temos no Brasil mais de quatro mil rádios comunitárias e um número crescente de blogs e sites que criticam a mídia hegemônica e defendem o interesse social.
Informação integral
Um outro modelo de comunicação, de caráter popular/alternativo, também é defendido pelo indígena da etnia Kanela do Araguaia, Yhonre Kowra, 44 anos, de nome civil Pedro Filho Pereira da Silva. Ele é professor integrador no serviço público (estabelece ligação entre assessoria pedagógica e escolas) e primeiro-secretário administrativo da aldeia Nova Pukanu, em Luciara. “Esse tipo de curso é importante porque gera consciência e contribui para a construção de uma informação de forma integral”.

Yhonre informou que sua aldeia em pouco tempo poderá ter a extensão de uma rádio a partir de um projeto em parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG). Ele disse que a etnia Kanela do Araguaia possui cerda de mil indígenas, espalhados por Mato Grosso (Luciara, Santa Terezinha, Novo Santo Antônio, Confresa, Porto Alegre do Norte e São Félix do Araguaia) e Pará (Santana do Araguaia).
Silvângela Alves da Silva, de 47 anos, chamou a atenção para a importância de se saber as fontes corretas das informações. “Esse foi um assunto importante discutido no curso. É fundamental a gente tomar cuidado com a origem das informações”.
Essa precaução tem a ver com a postura de um comunicador/uma comunicadora que se sente responsável por aquilo que divulga e pensa em beneficiar o coletivo. Silvângela atua na Pastoral da Criança e na Catequese em Porto Alegre do Norte e já apresentou programa em rádio comunitária.

Tal responsabilidade também passa pelo pensamento de Alissom Fernando Rúbio, de 28 anos, que faz parte do Setor Juventude, em Vila Rica. Ele destacou durante o curso que não devemos nos alimentar somente de notícias ruins e que precisamos divulgar as informações positivas sobre nossas comunidades. “Pois é necessário divulgar a realidade por inteiro”, observou.
Conforme os participantes do curso, na prelazia de São Félix do Araguaia essa realidade deve levar em conta: atividades paroquiais (sopão solidário, Missa dos Santos Óleos, Via Sacra feita pela juventude, festejos de São Pedro e andamento dos grupos de reflexão); temas sociais (luta contra a privatização da educação, defesa dos povos indígenas e valorização da agricultura familiar).

E ainda: temas culturais (o uso da internet para educar, sexualidade e afetividade na juventude); e assuntos nacionais (vários tipos de violência na região em conexão com a Campanha da Fraternidade, eleições e Reforma da Previdência).

Agenda
A comunicação é uma das prioridades das CEBs-MT em 2018, assim como o fortalecimento da participação do laicato na igreja e na sociedade. Essa foi uma orientação definida pela Ampliada Regional.
A equipe de comunicação das CEBs-MT tem até agora cursos de formação agendados para as dioceses de Cuiabá, Rondonópolis-Guiratinga, Primavera do Leste-Paranatinga, Sinop e Cáceres.
Por Gibran Luis Lachowski e Ana Paula Carnahiba, da equipe de Comunicação das CEBs-MT, Regional Oeste 2 (e colaboração de Renato Fernandes da Silva, da PJ de Porto Alegre do Norte)