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Temos água, dá-nos a sede. Que sede?

No próximo domingo, 3º da Quaresma, somos presenteados com o Evangelho do encontro de Jesus e a samaritana à beira do poço. A narrativa de João 4,5-42 abre-nos uma bela oportunidade de reflexão e um pedido: "Senhor, dá-me dessa água!"
Jesus e a Samaritana junto ao poço de Jacó | Mosaico de Pe. Marko Rupnik, SJ.

Raramente pedimos sede, somente água. Isso porque é comum atribuirmos à sede e à fome sentidos negativos como privação, ausência, negação. Humanamente, devemos lutar com todas as forças para que ninguém tenha sede e ninguém tenha fome, principalmente se elas forem fruto da ganância e opulência de alguns. No deserto quaresmal, a página do Evangelho que a Igreja nos presenteia no terceiro domingo do ano A é um convite para, com Jesus e a Samaritana, fazer a experiência da sede. Mas, que sede? 

Como ressalta o Papa Francisco no Angelus de 23 de março de 2014, “a sede de Jesus não era tanto de água, quanto de encontrar a Samaritana para lhe abrir o coração: pede-lhe de beber para evidenciar a sede que havia nela mesma. A mulher comove-se com este encontro: dirige a Jesus aquelas perguntas profundas que todos temos dentro, mas que muitas vezes ignoramos.”

Ao ler, escutar e meditar esta Palavra – sempre pedindo ao Espírito Santo para que ela nos tome por inteiro -, há um convite para nos encontrarmos no meio-dia da vida para rezar a sede, para beber da própria sede e, porque não, pedir sede. No diálogo com a samaritana, Jesus também está sedento e fatigado da viagem. Diversos elementos podem ser destacados neste texto, dada a sua profundidade narrativa, hermenêutica e possibilidades de conexão com fatos do nosso cotidiano. Quero deter-me ao “dá-me de beber” (cf. Jo 4,7). 

No Elogio da Sede, o Cardeal Tolentino Mendonça diz que “precisamos redescobrir a bem-aventurada da sede. A pior coisa para um crente estar saciado de Deus” (p. 146). A oração, mais do que saciedade, é um convite a sentir sede, um sinal de que somos incompletos no itinerário da vida. Não estamos prontos.

Este pedido de Jesus não se dá de forma acidental. Afinal, o Evangelho apresenta que “era preciso passar pela Samaria” (Cf. Jo 4,4). Não é um pedido feito a uma pessoa qualquer. São dois sedentos, sim, mas num contexto nada favorável. É um judeu pedindo de beber a uma samaritana. O pedido do Mestre, mais do que água, é a hospitalidade, a acolhida sincera e generosa. É um pedido que acontece numa atitude de rebaixamento e que qualifica a comunicação nesta cena bíblica. 

A capacidade de Jesus em se rebaixar é um convite a todos nós, uma proposta comunicacional ousada que se conecta com o fazer-se próximo da parábola do Samaritano. Aproximar-se e rebaixar, um exercício fundamental na comunicação. Papa Francisco, em entrevista ao sociólogo francês Dominique Wolton publicada no livro O futuro da fé, aponta que “se eu não saio de mim mesmo para procurar o outro me rebaixando, não há comunicação possível!” Eis um desafio para os comunicadores de hoje diante da instantaneidade, do imediatismo, da cultura da indiferença, do descarte. Saibamos dizer não e parar diante do poço, mesmo na hora mais quente, para viver a cultura do encontro. 

É preciso sentir sede do outro e sentir sede de Deus. Sabendo que ainda há espaço no nosso pote para ser completado com a Água que dá vida, vamos reduzindo nossas vaidades, abrindo espaço para que Deus aja. E quem comunica não deve estar cheio de outra coisa a não ser de Deus, do Verbo feito Carne e da força vivificante do Espírito Santo. 

Ao nos depararmos, mais uma vez, com esta narrativa bíblica façamos a experiência sempre nova do encontro. Acreditemos na capacidade de transformação e, mesmo diante do poço com a água mais fresca, não nos cansemos de pedir a sede. A sede que não brota da falta, mas do encontro. No mesmo Angelus que citei no início, o Papa Francisco convidou os presentes na praça a dizer: “cada encontro com Jesus muda a nossa vida e cada encontro com Jesus enche-nos de alegria.” 

Por fim, convido você a dar uma pausa e rezar A oração da sede[1], do Cardeal Tolentino Mendonça:

Ensina-me, Senhor, a rezar a minha sede
a pedir-te não que a arranques de mim ou a resolvas [depressa]
mas a amplies ainda
naquela medida que desconheço
e que apenas sei que é a tua! 

Ensina-me, Senhor, a beber da própria sede de ti
como quem se alimenta mesmo às escuras
da frescura da nascente

Que a sede me torne mil vezes mendigo
me ponha enamorado e faça de mim peregrino
Que ela me obrigue a preferir a estrada à estalagem
e o aberto da confiança ao programado do cálculo

Que esta sede se torne o mapa e a viagem
a palavra acesa e o gesto que prepara
a mesa onde partilhamos o dom

E quando der de beber aos teus filhos seja
não porque tenha a posse da água
mas porque partilho com eles o que é a sede

 

[1] MENDONÇA, José Tolentino. Elogio da sede. São Paulo: Paulinas, 2018. p. 153